domingo, 21 de novembro de 2010

Quantas viagens eu devo? - Parte 1.

1. England, I´m afraid.

Vou deixar a rainha de lado. Pecadora que sou, afirmo apenas que tomei muito chá inglês no STARBUCKS. Que mais?

Leti fingindo que vai entrar no palácio.


Ok, do começo. Então que chegamos (por "chegamos", claro que quero dizer eu, o cassim e a franzitcha) e numa das lojas do freeshop fomos recebidos por um inglês de turbante que riu e brincou conosco, recém saídos da França. Foi um choque. Dos bons.

Então que a Inglaterra é tanta coisa ao mesmo tempo, ser inglês hoje é algo tão multifacetado e plural que parece imbecil escrever sobre "A Inglaterra". Elas são muitas e múltiplas. Por que isso é tão impressionante? Basicamente porque estou morando na França.

Deixa eu explicar: sabe quando você lê aquela reportagem falando das muçulmanas ESTÚPIDAS que vêm para o PARAÍSO DEMOCRÁTICO que é nosso tão bem-estimado Ocidente-Cristão-Que-Matou-e-Escravizou-Todo-Mundo-Que-Podia, mas daí que você lê que elas vêm e continuam usando seus véus opressores e continuam pregando sua religião idiota opressora?

Pois bem. Eu faria exatamente isso no lugar delas. Ao menos na França. Porque na França um estrangeiro será estrangeiro por cinco gerações. Só é francês quem compactua com todos os valores franceses. Então que se eu fosse muçulmana e chegasse aqui, seria tão mal-tratada, tanto e tão mal, que eu cuspiria nos Valores-Democráticos que são usados como pretexto contra mim, que servem para me rotular de incompetente e retardada, que me obrigam a tirar o véu porque ele não é fashionable no momento.

E por isso o estranhamento. Na Inglaterra, nota-se de longe que o cara de turbante 1) está trabalhando no aeroporto (jamais vi isso em lugar algum na França); 2) se for questionado, com certeza ele dirá que é inglês; 3) ele se sente inglês e incluído dentro do sistema inglês.


cupcakes: bonitinhos, mas ordinários.
É inacreditável. As garotas muçulmanas saem de véu e tênis e super arrumadas, ninguém as olha de cara fechada; os indianos abrem seus restaurantes, os chineses têm uma Chinatown linda e, para os mais tradicionais, os cupcakes sobrevivem à globalização. Todo mundo que está legalmente na Inglaterra é inglês. Claro, uns são mais ingleses que os outros, mas na França não há essa gradação: ou é baguete debaixo do braço, ou nada.

Falando nisso, esses dias meu amigo palestino estava me contando que estava sentado em um café, quando um cara estacionou seu carro, foi até ele e seu amigo tunisiano e mandou que eles se levantassem. Claro que eles não se levantaram. Mas é o tipo de coisa que dá vontade de retrucar com um bom chute. Mas aí que o cara afirmou, embora seja uma provável mentira, ser policial. E aí que tu está tomando teu café numa boa e qualquer um vem ser xenófobo louco. Claro que a vontade de dar um soco é imensa. Mas, lembrem-se, na França, se um estrangeiro der um soco em um policial, graças às novas medidas de Sarkozy, ele volta na hora pra casa.

Claro que eu sou contra agressão física, porque dizer isso é politicamente correto, e o contrário faria vocês pensarem que sou uma fascista, mas que, comparado a atos xenofóbos, um tapinha não dói, disso não discordo mais, depois dos meus três meses franceses.

Mas voltando à Inglaterra (espero que logo!), é um país incrível. Para ser simplista, é os Estados Unidos com cultura. Os Estados Unidos que leram e tiveram conversas filosóficas tomando chá. E aquele sotaque. MELDELS, o que é aquilo? Fazer o inglês soar como uma língua de verdade, e não como um amontoado prático de regras que formam um idioma feito para o corporativismo, sem desperdícios com tempos verbais elaborados ou lirismos na fonética.
Les Misérables: como eu me senti com meu poder de compra em Londres.


Ainda mais: não fosse a libra esterlina e sua conversão assustadora com o real, fazer compras na Inglaterra seria a melhor coisa do mundo. Em matéria de livros, de roupas, de cosméticos, de TUDO QUE VOCÊ PRECISA, a terra da rainha sabe o que está fazendo.

E, é claro, falta falar da parte GLAMOUR TOTAL da viagem: O Fantasma da Ópera, no teatro da sua Majestade.

Retrocedendo um pouco: Eu e a Fran compramos os ingressos há milhares de anos. Compramos vestidos chiquérrimos e tudo mais, para irmos em Grande Estilo ao teatro.

Voltando à viagem: não deu tempo de trocar de roupa, então ignoramos nossas roupas chiques e fomos como estávamos. Mas, lembre-se, ainda estávamos limpas e tínhamos dignidade humana.

Mas eis que, descendo para pegar o metrô, os alarmes soam e somos evacuados da estação. Um atentado terrorista em Londres!

Mentira. Pensamos que fosse isso, mas no fim foi só uma mulher que se matou se atirando nos trilhos do metrô. Puta egoísmo daquela vaca. Graças a ela, atrasamos pro Fantasma.


eu antes de saber que chegaria fedorenta e suja no Fantasma.
 Quer dizer, quase atrasamos.

Depois de uma meia hora preciosa gasta tentando achar um ônibus que fosse pra lá, caminhamos até a próxima estação de metrô (até aí, ainda achávamos que se tratava de um atentado, logo não fazia sentido ir pra outra estação de metrô, que estaria fechada também), que estava aberta. Pegamos o último metrô antes dela também ser fechada, e chegamos  em tempo.

Mentira de novo.

Corremos. Corremos muito. Corremos por cerca de 20, 25 minutos. Por meio de ruas, atropelando pessoas, esbaforidos. Mas sim, chegamos cinco minutos antes do espetáculo começar.

Não somente sem os vestidos chiques, mas suados, esbaforidos, podres, descabelados. Um luxo só.

Aí que fui encher as garrafinhas de água no banheiro e fazer xixi (sou RHYKA) e, quando voltei, fui barrada: eu não poderia sentar no lugar que eu tinha comprado há meses, bem no meio, o lugar mais perfeito entre os lugares baratos.

Admito: chorei de raiva. Chorei tanto de raiva que a mulher ocasionalmente me deixou sentar lá. E foi assim que vi uma das experiências estéticas que mais me emocionou: suja, fedorenta, descabela, suada em um teatro luxuoso assistindo a um musical em Londres. O melhor desfecho para uma viagem fantástica.

qual o valor de uma lei assinada com o sangue de quem se opõe a ela?
Por que, no entanto, estávamos na Inglaterra? Ah, sim, para um congresso em Oxford sobre a anistia brasileira. Então que Oxford é absurdamente charmosa e elitista e linda. E o evento foi maravilhoso. Tanto como experiência pessoal, ouvindo o relato de quem foi torturado pelo regime ditatorial, como pela experiência acadêmica, com professores maravilhores, com o pessoal da Comissão de Anistia e também, é claro, pelas pessoas que conhecemos.

Pois que foi isso. Aí que teria sido a viagem perfeita, não fosse por um detalhe: era apenas metade da viagem.

Um dia depois do Fantasma da Ópera, embarcamos. Embarcamos para o Marrocos.