sábado, 28 de maio de 2011

Sim, que seja este o Porto

Diário de Bordo. Portugal. Porto.

Dia 01.

Pequenas observações antes de partir: agora é tipo meia-noite e sinto sono. Logo, as passagens serão postadas tal qual registradas no meu moleskine do Michael Jackson, presente do meu querido e saudoso Marcelo Sarkis. Ou não. Vou cortar o que eu quiser, só porque posso. Então fica a desculpa pelas observações óbvias ou preconceituosas e no geral sem algum lirismo. Esta sou eu na vida real. Ou sou eu fingindo ser real. Fica a premissa de Cortázar: "toda verdade possível tem de ser invenção."


Dia 01, parte 01:

sem vontade de transcrever. mas basicamente amo português blábláblá. Única frase que eu gostei um pouquinho: falta sol nesse sotaque. 

Dia 01, parte 02:

Dia do vestido amarelo e suas decorrências. Sociedade conservadora machista. Devia ter ido pra Amsterdã.

Maltratar a língua não é errar o verbo, mas menosprezar o sujeito. Quem quer que seja.

Dia 02: 
Copiado do livro "Quarto Azul", de Rui Caeiro, na Fnac, esperando mil horas pra comprar meu mac lindo do qual vos escrevo:

"Um poema de amor que ninguém 
tivesse feito e só um merecesse
e só o outro entendesse."

***

(...) na penumbra, tua pele defendia-nos.

*** 

Em Guimarães:

Uma senhora me interpela na parada de ônibus em Porto, me contando que é carioca, mas se mudou para Portugal aos dezoito anos. Inquire meu decote com o olhar, falando que muitas brasileiras vêm para Portugal "só para fazer vergonhas".

Não se preocupe, senhora, do jeito como a situação vai indo, em alguns anos as portuguesas é que virão ser putas no Brasil.

***

Ainda em Guimarães, no meio da praça-Patrimônio-Histórico-da-Unesco

Que libertador não amar ninguém. Agora, aqui, em Guimarães, berço de Portugal, olho a paisagem e estou por inteiro. 

Não é de todo verdade. Sempre desejo que meus pais e minha vó estejam comigo, me ajudando a ver tudo isso. 

Então sei que sou pó da minha terra. 

Quando criança, dançava aibotaaquioteupezinho, ridiculamente vestida de prenda. O passado é o jeito mais eficaz de envergonhar alguém. Mas dele ficou minha terra introjetada nos meus trejeitos, ficou o botar-o-pé-aqui-botar-o-pé-ali.

Viajar foi como aprendi a dançar.

Ainda mais pequena, dois três anos, meus pais adoram contar sobre como me perdi na praia: cada um deles seguiu uma direção. Eu também. 

Quando me encontraram, usei a desculpa de que tinha ido procurar papai. Mentira, queria era sair sem rumo. 

Tive a sorte de ter quem me procurasse de volta e me desse a mão, até que fosse tempo de soltá-la. 

E quando o tempo chegou, tive ainda mais sorte, que por conta disso eu chamo amor, tive ainda mais amor para permitir que eu fosse.

Nenhum amor é mais forte que o amor que liberta.

Meus pais me deram minha língua. Eles podiam me deixar partir.

Ter uma língua é a garantia de voltar pra casa. 

Me deram expressões, faciais e gestuais, que cirurgia plástica alguma conseguiria apagar. 

O pior não é que a fruta caia longe do pé - mas que o pé a queira podre em seus galhos. 

Sou pedaço de uma história de amor de trinta anos. 

Sou um inventário de cachorros, gatos e pássaros que já habitaram nossa família.

Sou feita inteira de antepassados. Templo e cemitério.

Por isso essa emoção meio gutural por Portugal. Pátria dos meus verbos e versos. Língua colonizadora, sim. Colonização que me permitiu ler Saramago no original. Minha língua. Instrumento de trabalho e paixão. Herança e patrimônio. 

Guimarães é o berço de Portugal, como Portugal é o berço ocidental do Brasil. 

Suas ruas têm a estreiteza do mapa lusitano. Sua gente tem esse chiado de quem teve de se fazer ouvir acima da voz do mar. 

Um povo sempre disposto a largar Portugal: Grandes Navegações, rei que foge para o Brasil, príncipe que declara a independência brasileira e, mais recentemente, a figuração entre as populações que mais migram na Europa ocidental.

Não, não é desprezo pelo país. Pelo contrário, é a certeza de que ele se extende para além de suas fronteiras. O limite da minha língua é o limite do meu mundo, ou algo próximo a isso, escreveu Wittgenstein, que não sei se escreve assim a esta altura da noite. Os portugueses estão em casa onde houver Fernando Pessoa na estante. 

A fascinação pelo além-mar se explica: sua história está no mar, seu futuro está na bússola.

Mas ainda, os portugueses sentem uma admiração ímpar pelo Brasil. Está em nomes de lojas, em títulos de livros, em autores brasileiros disseminados... Uma exceção, como haveria de ser: as mulheres. Somos todas putas, assim, sem julgamento prévio. 

Mas, aqui entre nós, entre puta e beata católica, como tantas subsistem aqui no Porto, puta. Sem dúvida puta.

Por ora, pego emprestada deles essa fascinação e adoro ser brasileira, comprometida com minhas artérias. Ser brasileira e trazer o sol na pele (sim, sou exceção), trazer o sol na boca. Amar como nunca houvera amado, em seguida esquecer que amou para poder amar de novo como jamais houvera amado antes. Ser brasileira mais no amor pela bossa-nova que pela cor do passaporte.

Ser brasileira e ser herdeira do Brasil. Ser herdeira de Portugal, Rússia, Itália, Alemanha, Japão, Líbano, América Latina.

Ser brasileira e herdar a humanidade inteira.

Obrigada.

Guimarães, 27 de maio de 2011.

terça-feira, 10 de maio de 2011

dos bares e dos diálogos

Breizh
Leti - Bá, Cássio, um dia a gente vai ter mais memória que futuro.

Leti - Bá, curti essa frase. Vou usar ela um dia.

Cássio - A gente pede mais uma?