terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Rennes.

Eu e Rennes temos uma relação complicada. Rennes é absurdamente linda. Suas ruas são elegantes, pedaços que testemunham uma França católica que não existe mais. Suas casas de pedra são pequenas fortalezas, e há ainda um muro romano às ruínas por aqui. O mercado aos sábados, em pleno céu aberto, é lindo, vivo, colorido, e dá pra comprar as melhores azeitonas e os melhores iogurtes do mundo. 

Mas Rennes não é Paris, e aí a coisa complica. Porque ser Paris significa ser a cidade mais absolutamente fantástica do mundo. Ser Paris significa ter sentenciado o absolutismo à morte, ser Paris significa abrigar Picasso no Bateau-Lavoir, ser Paris significa que cada Presidente te lega um complexo cultural absurdo, do Louvre ao Pompidou. 

Ser Paris significa ter a République viva, o Point Ephémère às margens do Canal St. Martin pra tomar uma ceva tentando adivinhar a que se refere o poema na parede. Ser Paris significa arte. Arte dentro dos museus, arte nas ruas, arte em cada Space Invader, e são tantos. Ser Paris significa o apartamento acolhedor da Mô e do Marcelo, sempre sorridentes e queridos emprestando toalhas e ligando a calefação. Ser Paris significa também a casa linda do meu casim parisiense, cheia de obras e máscaras indianas e quadros e mais quadros e livros e a cama mais confortável do universo e as saladas absurdamente deliciosas que ele faz e o jeito como ele pula da cama pra espremer suco de laranja porque eu tô doente. 

Ser Paris significa ser elegante, ter os mendigos mais autênticos ever, significa linhas de metrô de fácil compreensão. Ser Paris significa ser dividida ao meio pela Sena e unida aos pontos por tanta gente tão completamente diferente. Ser Paris é a Alyson nos recebendo pro Natal, com o Charles en train de chercher bonheur pra todo mundo, trazendo o vinho aberto. É a árvore de Natal com cheiro de pinho decorada por uma família judia para que os brasileiros não ficassem abandonados sem família no Natal. Ser Paris é ser tanta coisa por tantos lados. É conhecer cada arrondissement, e ficar procurando um quarto para alugar com o Monsieur Hervé. 

Ser Paris é ser o centro cultural do mundo. Falem o que quiser, Nova Iorque jamais vai desbancar o charme e a imponência parisiense. Ser Paris é achar enfadonho o borbotão de turistas na Champs durante o Natal, é terminar as refeições no queijo e ir de vez em quando no McDo, mas sempre falar mal depois.

Ser Paris é recomeçar todos os dias uma história de tantos séculos e tantas Repúblicas e tantos discursos de Jaurès e lutas de Jules Ferry pela laicização. Ser Paris é ter uma pista de patinação linda à frente do Hotel de Ville. E tanta neve e tanto frio até que lacrimejem os olhos. Porque é certo, em algum momento, Paris te fará chorar. Se não de frio, de emoção.

E mesmo quando eu tento falar de Rennes, acabo em Paris. 

Quando eu tento gostar de Rennes, é sempre tarde demais: sou irremediavelmente apaixonada por Paris.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Yalla, yalla!

Tenho um problema recorrente: não consigo escrever sobre as coisas que me marcam demais. Poucas vezes escrevi sobre meus melhores amigos, e quando falo de relacionamentos, é mais ficção honesta que confessionário. Podia culpar a falta de tempo, mas não, foi exatamente por isso que ainda não consegui, e talvez ainda hoje não consiga, falar da minha viagem ao Marrocos. 

apanhei decorando esse alfabeto. mas vale a pena.
A medina de Fès, a maior do Marroco, é indescritível. É tão humana, caótica, com vias estreitas, caminhos que se confundem, pessoas que se confundem, cheiros que se confundem, mais gente, mais caos, mais vias, mais caos que se confundem.

Ela tem 400 e poucos hectares, ou talvez isso seja uma grande mentira, não lembro direito das dimensões que o guia disse, mas, vão por mim, a coisa é gigantesca e diferente de tudo que já se viu em matéria de redenção no domingo.

Saudades já.
 Depois de Fès, fomos pra Mèknes, a cidade inesperadamente linda. É onde há a única mesquita aberta ao público não-muçulmano, e o lugar é lindo e pacífico, vontade de ficar lá o dia inteiro. Sério, todas as pessoas que gritam contra a construção de mesquitas deveriam visitá-la. Quase quero uma na minha casa.

Na verdade, estávamos por Mèknes somente de passagem, queríamos chegar a Volubilis, uma cidadezinha onde há ruínas romanas. Mas fato é que Mèknes nos coaptou. Passamos o dia, sem notá-lo, por lá, e teríamos passado mais um, se não tivéssemos reunião pra decidir se passaríamos ou não três dias viajando pelo deserto.

Kazbah do séc. VII.
 Já é óbvio, até porque já contei pra cada um de vocês, que fomos. Fomos com Bakkali, o melhor guia do mundo. Um berbéri querido, atencioso e engraçado, que parou no meio da estrada pra colher tâmaras pra nós, porque horas antes a Fran tinha comentado que as adorava.


o sol estava quente e queimou a nossa cara. Alalaô.
 Andar de camelo sob o céu do Saara foi tão incrível que usar a palavra "incrível' para descrevê-lo é absurdamente ridículo. Não vou fazê-lo. Imaginem o céu mais estrelado que vocês possam. 

Erraram feio. É bem mais.

the monkey on your back is the latest trend

Aqui foi o primeiro lugar onde paramos, e no Marrocos até os macacos tentam te passar a perna, são muito mais espertos que os esquilos londrinos, que conseguimos enganar fingindo ter comida. Os macacos marroquinos, nada.

Prometi pro Bakkali que serei a primeira taxista mulher do Marrocos.
 Mais esperta que macacos marroquinos, no entanto, tomei o volante para me tornar a primeira taxista mulher do Marrocos, para as gargalhadas do Bakkali e o terror do Cássio e da Fran, que não queriam nunca que eu aumentasse a velocidade.

Opressor é o vento, não o véu.
 Sério, pessoalzim, véu é super cool. Juro que acho mil vezes pior colocar um biquíni que um véu. Não sei qual dos dois é mais opressor. Pros meus XXXXXX quilos, fico com o véu. Assim, ao estilo berbéri.

Sim, abusei do véu. Queria entendê-lo.
 Ou assim, também. Sério, fui mais respeitada de véu, as pessoas vinham falar comigo em árabe e quando eu dizia um "Là!" (não) firme, os vendedores/mendigos se afastavam, o que não acontecia sem o véu. Além disso, ele protege mesmo do sol, e esse, que eu comprei em uma cooperativa e foi feito artenasalmente, convenhamos, é muito gats.

OCIDENTAIS MALDITOS NÃO TIREM FOTOS DA GENTE.
Viajei por quatro horas e quatro séculos de distância até o Marrocos, sem contar Marrakesh. E a experiência foi ótima, como o chá de menta, obscenamente doce, ainda assim, por vezes amargo. Um chá que muda conforme mudam as paisagens do Marrocos, e eles mudam bastante.

Marrocos é um país cheio de temperos. Cheio de areia, cheio de oásis. Eu me tornei mais um de seus grãos.


domingo, 5 de dezembro de 2010

Neve outonal.

Eu fingindo que não me me importo em ter esquecido as luvas.
Na foto, eu o Cássio e o Cheon, um coreano adorável que tem pantufas da Hello Kitty e um cabo usb em formato de coração, quem, aliás, tá indo passar as férias no Brasil.

Então, apresento pra vocês o Marché de Noël de Rennes, ou seja, um apunhado de comerciantes tentando vender bobagens a preços exorbitantes. Mas tem vinho quente, e o Hendrik, um alemão cool, tinha rum numa garrafa de água no casaco (oi?), aí tomei vinho quente com rum.

Sou alcoolatra? Nops, mas tinha esquecido as luvas, e meldels, a Bretanha é ótima em ser congelante. 

Mas agora tenho uma bota forrada quentinha. Sou muito mais feliz.

No mais, vou voltar pros meus 876544 trabalhos da semana. 


domingo, 21 de novembro de 2010

Quantas viagens eu devo? - Parte 1.

1. England, I´m afraid.

Vou deixar a rainha de lado. Pecadora que sou, afirmo apenas que tomei muito chá inglês no STARBUCKS. Que mais?

Leti fingindo que vai entrar no palácio.


Ok, do começo. Então que chegamos (por "chegamos", claro que quero dizer eu, o cassim e a franzitcha) e numa das lojas do freeshop fomos recebidos por um inglês de turbante que riu e brincou conosco, recém saídos da França. Foi um choque. Dos bons.

Então que a Inglaterra é tanta coisa ao mesmo tempo, ser inglês hoje é algo tão multifacetado e plural que parece imbecil escrever sobre "A Inglaterra". Elas são muitas e múltiplas. Por que isso é tão impressionante? Basicamente porque estou morando na França.

Deixa eu explicar: sabe quando você lê aquela reportagem falando das muçulmanas ESTÚPIDAS que vêm para o PARAÍSO DEMOCRÁTICO que é nosso tão bem-estimado Ocidente-Cristão-Que-Matou-e-Escravizou-Todo-Mundo-Que-Podia, mas daí que você lê que elas vêm e continuam usando seus véus opressores e continuam pregando sua religião idiota opressora?

Pois bem. Eu faria exatamente isso no lugar delas. Ao menos na França. Porque na França um estrangeiro será estrangeiro por cinco gerações. Só é francês quem compactua com todos os valores franceses. Então que se eu fosse muçulmana e chegasse aqui, seria tão mal-tratada, tanto e tão mal, que eu cuspiria nos Valores-Democráticos que são usados como pretexto contra mim, que servem para me rotular de incompetente e retardada, que me obrigam a tirar o véu porque ele não é fashionable no momento.

E por isso o estranhamento. Na Inglaterra, nota-se de longe que o cara de turbante 1) está trabalhando no aeroporto (jamais vi isso em lugar algum na França); 2) se for questionado, com certeza ele dirá que é inglês; 3) ele se sente inglês e incluído dentro do sistema inglês.


cupcakes: bonitinhos, mas ordinários.
É inacreditável. As garotas muçulmanas saem de véu e tênis e super arrumadas, ninguém as olha de cara fechada; os indianos abrem seus restaurantes, os chineses têm uma Chinatown linda e, para os mais tradicionais, os cupcakes sobrevivem à globalização. Todo mundo que está legalmente na Inglaterra é inglês. Claro, uns são mais ingleses que os outros, mas na França não há essa gradação: ou é baguete debaixo do braço, ou nada.

Falando nisso, esses dias meu amigo palestino estava me contando que estava sentado em um café, quando um cara estacionou seu carro, foi até ele e seu amigo tunisiano e mandou que eles se levantassem. Claro que eles não se levantaram. Mas é o tipo de coisa que dá vontade de retrucar com um bom chute. Mas aí que o cara afirmou, embora seja uma provável mentira, ser policial. E aí que tu está tomando teu café numa boa e qualquer um vem ser xenófobo louco. Claro que a vontade de dar um soco é imensa. Mas, lembrem-se, na França, se um estrangeiro der um soco em um policial, graças às novas medidas de Sarkozy, ele volta na hora pra casa.

Claro que eu sou contra agressão física, porque dizer isso é politicamente correto, e o contrário faria vocês pensarem que sou uma fascista, mas que, comparado a atos xenofóbos, um tapinha não dói, disso não discordo mais, depois dos meus três meses franceses.

Mas voltando à Inglaterra (espero que logo!), é um país incrível. Para ser simplista, é os Estados Unidos com cultura. Os Estados Unidos que leram e tiveram conversas filosóficas tomando chá. E aquele sotaque. MELDELS, o que é aquilo? Fazer o inglês soar como uma língua de verdade, e não como um amontoado prático de regras que formam um idioma feito para o corporativismo, sem desperdícios com tempos verbais elaborados ou lirismos na fonética.
Les Misérables: como eu me senti com meu poder de compra em Londres.


Ainda mais: não fosse a libra esterlina e sua conversão assustadora com o real, fazer compras na Inglaterra seria a melhor coisa do mundo. Em matéria de livros, de roupas, de cosméticos, de TUDO QUE VOCÊ PRECISA, a terra da rainha sabe o que está fazendo.

E, é claro, falta falar da parte GLAMOUR TOTAL da viagem: O Fantasma da Ópera, no teatro da sua Majestade.

Retrocedendo um pouco: Eu e a Fran compramos os ingressos há milhares de anos. Compramos vestidos chiquérrimos e tudo mais, para irmos em Grande Estilo ao teatro.

Voltando à viagem: não deu tempo de trocar de roupa, então ignoramos nossas roupas chiques e fomos como estávamos. Mas, lembre-se, ainda estávamos limpas e tínhamos dignidade humana.

Mas eis que, descendo para pegar o metrô, os alarmes soam e somos evacuados da estação. Um atentado terrorista em Londres!

Mentira. Pensamos que fosse isso, mas no fim foi só uma mulher que se matou se atirando nos trilhos do metrô. Puta egoísmo daquela vaca. Graças a ela, atrasamos pro Fantasma.


eu antes de saber que chegaria fedorenta e suja no Fantasma.
 Quer dizer, quase atrasamos.

Depois de uma meia hora preciosa gasta tentando achar um ônibus que fosse pra lá, caminhamos até a próxima estação de metrô (até aí, ainda achávamos que se tratava de um atentado, logo não fazia sentido ir pra outra estação de metrô, que estaria fechada também), que estava aberta. Pegamos o último metrô antes dela também ser fechada, e chegamos  em tempo.

Mentira de novo.

Corremos. Corremos muito. Corremos por cerca de 20, 25 minutos. Por meio de ruas, atropelando pessoas, esbaforidos. Mas sim, chegamos cinco minutos antes do espetáculo começar.

Não somente sem os vestidos chiques, mas suados, esbaforidos, podres, descabelados. Um luxo só.

Aí que fui encher as garrafinhas de água no banheiro e fazer xixi (sou RHYKA) e, quando voltei, fui barrada: eu não poderia sentar no lugar que eu tinha comprado há meses, bem no meio, o lugar mais perfeito entre os lugares baratos.

Admito: chorei de raiva. Chorei tanto de raiva que a mulher ocasionalmente me deixou sentar lá. E foi assim que vi uma das experiências estéticas que mais me emocionou: suja, fedorenta, descabela, suada em um teatro luxuoso assistindo a um musical em Londres. O melhor desfecho para uma viagem fantástica.

qual o valor de uma lei assinada com o sangue de quem se opõe a ela?
Por que, no entanto, estávamos na Inglaterra? Ah, sim, para um congresso em Oxford sobre a anistia brasileira. Então que Oxford é absurdamente charmosa e elitista e linda. E o evento foi maravilhoso. Tanto como experiência pessoal, ouvindo o relato de quem foi torturado pelo regime ditatorial, como pela experiência acadêmica, com professores maravilhores, com o pessoal da Comissão de Anistia e também, é claro, pelas pessoas que conhecemos.

Pois que foi isso. Aí que teria sido a viagem perfeita, não fosse por um detalhe: era apenas metade da viagem.

Um dia depois do Fantasma da Ópera, embarcamos. Embarcamos para o Marrocos.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Ao meio.

Ponte em Liège
Trens na Bélgica se separam ao meio. Pois é, pegamos o trem Namur - Liège, felizes com o turismo recém-feito e o turismo vincendo em Liège. Aí é que enquanto eu ouvia música e a Fran dormia, Cássio escuta: Dinan - TERMINUS.

Dependendo do vagão onde você estiver na Bélgica, parará em um lugar diferente. 

Não é só isso.

Dependendo de onde você estiver hoje na Bélgica, talvez pare em um país diferente.

Então, primeiro passo, O QUE É A BÉLGICA?

Namur: a cidade que resistiu bravamente a Louis XIV.
Assim, a Bélgica é o Uruguai europeu. Lembram das aulas de história? "O algodão entre dois cristais", um país feito para acalmar as rivalidades brasi-portenhas e tudo mais? Com a Bélgica é a mesma história. É um país de criação totalmente artificial, um pedaço de França, um pedaço de Holanda e um pedaço de Alemanha sob a mesma bandeira. Foi, então, um país inventado para amortizar os ânimos das Revoluções de 1830 e 1848. Nesse período, a atual Bélgica vai se rebelar contra a Holanda e ser um Estado próprio.

..mas que foi tomada por ele no final.
Esperaê. O que a Bélgica estava fazendo na Holanda, meldels? Culpa, é claro, do Congresso de Viena, que a tinha anexado à Holanda em 1815, ainda que entre belgas e holandeses as disparidades culturais fossem evidentes. Assim, com o suporte militar francês e a aprovação inglesa, a sublevação deu certo e a Bélgica tornou-se uma linda monarquia constitucional.

Mentira. A Bélgica continuou sendo o que sempre foi: um punhado de várias culturas e idiomas, mas com unificação tributária e um rei para gerar assuntos em comum entre os belgas. E, é claro e fundamental, bom chocolate. (Destaque para o chocolate branco de pistaches). 

Charme: a Bélgica tem.
Charme: a Leti não tem.
Só que cada região belga possui características próprias e mais assemelhadas a uma determinada cultura. Por exemplo, na região francesa, o Estado-providência francês é modelo e parâmetro; já na parte de Flanders (nordeste da Bélgica, basicamente), o sistema assemelha-se mais ao liberalismo holandês. Fica difícil governar assim. E tanto isso é verdade que agora os governos caem como no declínio do Império Romano. Um atrás do outro. O Rei Alberto, que jamais em sua vida tinha tido algum papel político outro que ser capa de revista, agora está desesperado, como os franceses ficam quando pensam em ter de trabalhar. Os ânimos entre a região francesa e a região de Flanders estão carregados.

No entanto, a região francesa está mais pela conversa e resolução dos conflitos, enquanto Flanders quer mesmo é separar-se. Isso porque os belgas-franceses são acolhedores e curtem os amigues de Flanders? Quase.

A região francesa está economicamente estagnada, embora Liège tenha sido a primeira cidade europeia a industrializar-se. Enquanto isso, a região de Flanders cresce, embora sinta-se refreada pela região francesa e sua alta cota de providencialismo estatal. 
Se eu fosse Louis XIV, pegava Namur pra mim também.

A isso, some-se o fato de que o pessoalzim do holandês, todos eles falam francês, e isso seria uma das premissas: de que em cada região cada habitante, embora falasse a sua língua, soubesse a outra. No entanto, na região francesa, não há quem fale holandês. De longe, parece pouco, mas no fim das contas, no cotidiano dos outros, é esse tipo de coisa que importa. 

A piada que o Bruno (aka irmão extraordinário do Cássio) contou, revela bem o clima: no hospital, ouviu de um dos pacientes que ele "viaja com o ar-condicionado ligado e as janelas do carro abertas, para ver se o aquecimento global inunda Flanders e a Holanda." E há também o médico que, falando para sua paciente que ela deveria ser reembolsada pela gasolina gastada pelas idas até o hospital (países europeus desenvolvidos!), mesmo pelas viagens já efetuadas há um tempo, viu o espanto dela, e então retrucou: não tem problema, os flanders estão pagando!", ao que os dois caíram na gargalhada.
art nouveau

Gentchy, Bruxelas é a capital da União Europeia. E não pega bem que o país da capital da união de todos os países esteja em vias de separar-se. Sem contar que isso pode pegar mal com o pessoal da Catalunha e coisas assim. É difícil que a situação agrave-se a ponto de uma real separação ocorrer, mas isso põe definitivamente em xeque essa aclamada união europeia, expondo de maneira quase anedótica sua fragilidade e ficção. 

Mas das coisas boas e interessantes:

Gramado.
Bruxelas é uma cidade extremamente charmosa. É indiscutivelmente a capital da UE, vez que abriga em si uma comunhão de elementos franceses, holandeses, mesmo alemães. Há momentos em que se pode jurar estar caminnhando por Paris, outras horas por Amsterdã. Mas sempre há, no entanto, um elemento distintivo, algo que aponta que não, aqui é Bruxelas. 

É provavelmente uma das capitais mais heterogêneas da Europa, o que a faz única, embora permeada de uma sensação de familiaridade recorrente, de "já vi isso antes quando estava em ...". A parte art nouveau da cidade é de aterrorizar os arquitetos modernosos, absolutamente incrível. 

E há também os belgas. Que em comparação aos franceses, são o povo mais gentil do mundo. Eles te "tutoyam" (verbo tutoyer - utilizar o "tu" na fala). Na França, jamais fui tutoyada na vida por agentes de trem. Fiquei surpresa ao ver isso acontecer na Bélgica. Uma boa surpresa.

A isso, acrescente-se a gastronomia maravilhosa, de moules (mexilhões) com batatas fritas ao melhor chocolate da história. 


 Deixo umas fotos.

E depois de amanhã vou pra Londres. Não me esperem acordados.







modernidade: não aceito.

Iluminismo. not.

Gosto de flores, whatever.

i do.

não foi crucificado à toa.

Lugar fantástico.

Igualdade de gênero

átomo construído em 1950.


Parque de Exposições


terça-feira, 5 de outubro de 2010

França: primeiras desimpressões.

 (Tentativa frustrada de fazer um texto pro Pare o Trem - tento novamente adiante, sem tocar na questão velhérrima da burqa, o que me é difícil).

Dia desses, vi um punk-anárco-mendigo, desses que só se produz na França, vestindo uma camiseta com os dizeres “liberté, égalité e fraternité”.  A palavra “fraternité”, no entanto, estava riscada e, por cima, escrito “mon cul”. Até aí, tudo bem. Ninguém vem pra França para receber uma acolhida calorosa desde...  Não, nunca aconteceu.

Problema é que hoje as outras duas palavras poderiam muito bem estar riscadas.

I. Liberdade, mon cul.

A liberdade francesa está condicionada à liberdade de ser francês. Ser francês é andar de rosto descoberto, é ter moradia fixa, conta bancária e fazer piqueniques aos domingos. Muçulmanos são livres para deixar o Islã e apregoar as maravilhas do Estado laico e da democracia. Aliás, para algumas religiões, o Estado francês é mais laico que para outras. Duas mil mulheres, mais ou menos, vestem a burka na França, um país de mais ou menos 65 milhões e meio de habitantes. Facílimo encontrar os números. No entanto, não há estimativas de quantas freiras na França ainda utilizam o hábito – veste, como a burka, no mínimo perturbadora para algumas feministas de plantão. Se passam dos dois mil, nem eu nem a wikipédia sabemos, mas deve ser um número  tão inexpressivo quanto, nem ao menos calculado. Logo, as mulheres francesas são livres para se submeterem, por meio do vestuário, ao deus cristão. Porém, se o fizerem com Alá, terão de pagar multas. Ou seja, de um lado, a mulher muçulmana francesa é subjugada pelo seu deus, que vai puni-la se ela não se vestir de uma certa maneira. Do outro, ela vai ser punida pelo seu Estado francês  democrático se se vestir de determinada maneira. Extremismo? Abordagens diferentes? Onde?

Claro que o fato de poucas mulheres usarem a burka não é um argumento convincente para a sua liberação. Poucas pessoas, quando se fala em França, matam as outras e, ainda assim, matar é proibido (e, senão por um abolicionista penal ou outro, as coisas estão bem assim por aqui). Questão é que proibir uma vestimenta utilizada por aproximadamente 0,003% da população francesa ontem e expulsar os Roma hoje abre precedentes xenofóbicos indeléveis. A liberdade torna-se bode expiatório, fundamenta o que no fundo é vestígio das Cruzadas. Em nome da liberdade, francesa e para os franceses, caberá proibir e deportar o que dissona. Nós, todos aqueles que não precisam ser tão livres assim no Império de Bruni.

II. Igualdade, mon cul.

Falando em expulsar os Roma, vamos para a cultura prêt-à-porter: os Roma são a maior população (aproximadamente 10 milhões) européia sem um país. São comumente os ciganos: lembra que, quando criança, se você saísse sozinho de casa um cigano ia lhe seqüestrar e você jamais veria seus pais de novo? Pois é. Ciganos roubam você de seus pais, ciganos não vão para escola e ciganos se vestem mal. Ninguém os quer por perto. Sarko deu jeito nisso: au revoir, bisou. Aliás, vocês se lembram da última vez em que uma certa população que vivia na Europa não tinha um país para si e começou a ter direitos civis suprimidos? A história não acabou bem. Como foi declarado por aqui “a última vez que a França deportou gente, foi quando ela mandou 75.000 judeus para a morte”.
Houve, por certo, protestos: estamos falando da França. Mas a população está alvoroçada demais com as mudanças no plano de aposentadoria para se preocupar com gente que nem trabalhar, trabalha. E a França ainda é uma dona-de-casa: cozinha mais que trabalha. Bancos segunda-feira? Nem pensar. Lojas 24h? Só se o imigrante argeliano estiver a fim. 

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

O sistema de ensino francês.

Sim, pretensiosa como sou, estudando numa Grande École, acho que estou capacitada para falar do ensino francês como um todo. 

Ok, meus dias (MESES) traduzindo um artigo sobre metodologia me impedem de continuar essa farsa:

O sistema de ensino da Sciences Po Rennes para intercambistas, novo título.

Então que tenho a minha tese brilhante e inovadora de que se alguém é tratado como retardado mental, há grandes chances de que responda a isso agindo realmente como um retardado mental. Posso dizer que isso é um pouco de Erving Goffman aplicado à minha vidinha. Pois então que aqui somos um pouco tratados como retardados mentais.

Em primeiro lugar, para estrangeiros, a Sciences Po não é um lugar, pasmem, para estudar ciência política mas, preponderantemente, foca-se na Adoração Inconteste da França e Suas Cinco Repúblicas. Assim, nossas cadeiras obrigatórias são:

História e Civilização Francesa, Conferência de Método e Curso de Francês.

Claro que essas três cadeiras são colocadas NOS MESMOS HORÁRIOS das melhores cadeiras disponíveis, como História da China e umas outras geniais que o trauma de não poder fazê-las porque preciso IDOLATRAR a França me fez esquecer o nome. 

A professora de História e Civilização Francesa é a responsável por pérolas ao estilo de "La France était fasciste? Oui, mais pas trop." e "La Terreur était nécessaire? On ne sait pas."

Ela conseguiu a proeza inimaginável de fazer tanto a Revolução Francesa como a Revolução de 1848 parecer algo monótono e inacabável. E ainda segredou: "vocês vão saber mais sobre a história da França que os próprios franceses." Sim, querida, quando eu atravesso um continente para estudar Ciência Política, é exatamente isso que eu almejo, valeuaê.

A Conferência de Método consiste em fazer uma apresentação de 20 minutos sobre um tema proposto (no meu caso, o quadro "desmoiselles d´Avignon", do Picasso, embora todos os outros sejam mais específicos sobre, tcha-rããn, o Império de Carla Bruni). Tudo bem até, não fosse o fato de que em todas as aulas em que tu não estiver apresentando, terás de ficar sentado ouvindo os coleguinhas com seus franceses terríveis falando sobre coisas que não te interessam, e ainda assim, que tu estudou até a morte para a aula de Hist. e Civ. Francesa I. (Sim, porque semestre que vem tem a II).

O Curso de Francês, por sorte, tem uma professora, ao menos para a minha turma, maravilhosa. Mas graças aos horários ótimos, por causa dele vou ter que pegar ônibus e metrô mil vezes por semana para estudar árabe em outra universidade, porque o árabe da Sciences Po é no mesmo horário da aula de francês. 

Para entender: pegar um ônibus E um metrô, estando em Rennes, significa um deslocamento ABSURDO, que deve levar mais ou menos 20 minutos (?!), o equivalente a ir da minha casa (Zona Norte nortérrima) visitar o Gauti (Zona Sul) em petit poa. 

Então que detesto as aulas obrigatórias. Ma-as, não para aí. Os estudantes intercambistas SÃO OS ÚNICOS que precisam assinar chamada. Três faltas = um ponto a menos na média final. Para mim, para quem ir à aula não é senão uma sugestão, um roteiro de estudos, isso é o caos. Por enquanto, tudo bem, mas logo vou surtar e gritar que estou sendo discriminada. 

Claro que eu quero ir à aula, nunca deixei de ir em aulas que prestassem, até pela sua raridade. Mas esse tipo de coerção já grita: AULARUIMAULARUIM, me lembra das aulas do Odone. E do Saldanha. E do Alfredo. Enfim, sempre que tive aula com presença MANDATÓRIAOBRIGATÓRIAVEMVEM, nunca foi coisa muito boa. E sempre que tive uma aula boa, par contre, nunca faltei. LOGO, causa-consequência simples: aulas boas dispensam métodos coercitivos loucos; aulas ruins demandam-nos aos borbotões. É o que acontece aqui.

Mas há coisas boas, como há de ser. A aula de gender studies é genial: bem-estruturada, professores inteligentes e articulados e uma sala cheia. Lembrei muito das minhas aulas sobre modos de subjetivação de gênero em petit poa, que eram maravilhosas, realmente ótimas, mas que contavam com poucos alunos. Fiquei orgulhosa mesmo de ver toda aquela gente, uns 80, num chute que pode ou não ser preciso, atentos.

Ainda, o professor de macroeconomia, visivelmente pelo bem-estar social, é arguto, é ácido e engraçado e dá aulas muito boas, ponto para ele. Em Introdução à Ciência Política, estou tendo a aula que eu deveria ter tido no meu primeiro ano de direito: estudo do poder, de como é interessante a frase "ele tem poder" - o poder passível de posse; ou seja, materializado, até que se chegue à burocracia e, dela, aos excessos kafkianos que levaram aos sistemas totalitários e tudo mais. Ótimo.

Três aulas boas, uma aula ruim e duas meia-boca. Isto é, as ruins estavam em desvantagem. Pensando nisso, vou fazer DIP aqui, com uma professora que é competente, para ser honesta e simpática, e parece saber muito (começou a aula falando sobre tratados feitos entre o pessoalzim da Mesopotâmia, por exemplo), mas parece que ela está sendo forçada a dar a aula, que detesta aquilo. Tom monocórdio e uma didática que não deixa as coisas muito claras. Mas enfim, vou ir e assinar a chamada.

E aí que tem o árabe, no qual preciso me matricular. São 4h por semana, e adoro aprender uma língua em outra língua, além de que é difícil estudar árabe em petit poa. Tenho bons pressentimentos. (Quero barganhar em árabe no Marrocos no fim do mês).

Bem, já enchi o saco de vocês, e em mais duas semanas de aulas, já terei enchido bastante o meu. Mas daí vou pra Londres. E pro Magreb.

Dormir uma noite ao ar livre no SAARA, quem curte?
Mas disso eu falo outra hora.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Genialidade encontrada por Alexandre Porto.

Nara Leão canta Little Boxes em português:

Todos, todos iguaizinhos.


Little boxes on the hillside,
Little boxes made of ticky tacky
Little boxes on the hillside,
Little boxes all the same,
There's a green one and a pink one
And a blue one and a yellow one
And they're all made out of ticky tacky
And they all look just the same.

And the people in the houses
All went to the university
Where they were put in boxes
And they came out all the same
And there's doctors and lawyers
And business executives
And they're all made out of ticky tacky
And they all look just the same.

And they all play on the golf course
And drink their martinis dry
And they all have pretty children
And the children go to school,
And the children go to summer camp
And then to the university
Where they are put in boxes
And they come out all the same.

And the boys go into business
And marry and raise a family
In boxes made of ticky tacky
And they all look just the same,
There's a green one and a pink one
And a blue one and a yellow one
And they're all made out of ticky tacky
And they all look just the same.

Viva a bossa.

domingo, 26 de setembro de 2010

MINHA VIDA: o essencial.

Aqui o corpo resseca. O tempo inteiro. Lábios rachados, mãos secas. Comme d´habitude. Rennes é uma cidade pequena. Uma cidade é pequena quando cabe na palma da mão: Rennes tem basicamente só três linhas também: aquela mais à esquerda, que leva para o IEP. A central, que leva para o centro, e a que surge mais à direita, que leva à FNAC. 

Dissimulando que paguei o ônibus fazendo corações com a palma das mãos.
Na ponta dos dedos, a passagem de ônibus. Dilema ético: pagar ou não pagar o ônibus? Minha ética é sazonal. No início do mês, pagar o ônibus é razoável. Agora, já no finalzinho, pagar o ônibus é abuso. Cássio e eu nos olhamos e decidimos: vamos de cu na mão. Cu na mão porque os fiscais podem entrar (e entram) a qualquer hora, e aí é multa de 20 e poucos euros. A menos que vocês, latinos pobres, já tenham desenvolvido uma tática mais incrementada, como nós fizemos: a ideia é que você compre a passagem e valide-a. Aí, atrás dela, é marcado o horário em que ela foi validada (a passagem é válida por uma hora - dentro dessa hora, você pode pegar quantos ônibus ou metrôs quiser com ela). Claro que só pode ter validações feitas dentro daquela hora, senão o bilhete perde a validade. Mas então, nós sempre validamos o mesmo bilhete, que já está escurecendo atrás, para que o motorista ouça o barulhinho que a máquina faz e pense que pagamos, e aí ficamos segurando um bilhete novinho na mão, sempre próximos da máquina de validação. Se o fiscal entrar, esperemos que dê tempo de validar o bilhete novinho e nada acontece. Veremos até onde isso vai.

O que mais falar de Rennes? No geral, as pessoas são bem gentis, e quando ouvem que somos brasileiros, umas ensaiam um "bom-dia", outras falam da Copa do Mundo, algumas só assentem.

Os franceses estudantes, no geral, ainda são franceses. Então assim, tem a organização responsável pelos estudantes estrangeiros, composta basicamente por garotas, que são queridérrimas e disponíveis e estão sempre marcando eventos e tal. Depois tem o resto dos franceses, que acham, por sua vez, que nós somos o resto, e nada de muita integração nesse terreno por enquanto.

Salvo, é claro, na residência universitária Patton, Battiment B, onde estou. Aliás, para quem quiser (e espero fundo que queiram!) mandar cartas, postais, fotos, carne de verdade e assemelhados para mim, peguem o endereço:

12, Rue du Houx, chambre 368,
Battiment B
Cité U. Patton
35000

A residência merece um post só pra ela, com as faxineiras que lavam o banheiro sempre na hora em que vou tomar banho, e lá vou eu passear só de toalha pelas escadas, super brasileira. Aí que tem os pássaros. São pássaros lindos: brancos, pretos e azuis. Pássaros gremistas, segundo o Cássio (que deve estar logo chegando com novidades de Bordeaux, onde foi ver o show do Interpol). Mas aí que os bichos começam a gritar, a se estrangular em gorjeios brutais de corvo, voz residual de rouxinois acamados, pássaros do inferno, para ser bem exata.

Mas são bonitos, os pássaros. Deixemo-os para lá. Meu quarto fica no terceiro andar, que na verdade é o quarto. Sim, muitas escadas. Mas uma vista privilegiada do céu (da qual faço uso) e um vento miraculoso, daqueles ventos que amortecem saudades, que trazem vozes e risos subtropicais, que eu tanto preciso e amo.

Só que daí a gente entra no tópico "pessoas longe", e esse tópico me dói. Na maior parte do tempo, lembrar de vocês me faz sorrir, e então tudo bem. Uma ou duas vezes, no entanto, nos dias em que eu (ainda!) pego o celular pra ligar pra alguém pra tomar uma cerveja, e lembro que esse alguém tá distante, bebendo aquela vergonha que a gente finge que é cerveja brasileira, e aí dói até lacrimejar os olhos, lacrimejar o tempo e o espaço. Mas tudo passa. Tudo sempre passa. O futuro e o passado passam. Um mais rápido que o outro.

E entrando em pessoas, duas merecem destaque especial: o Cássio e a Fran. Os dois outros brasileiros, também gaúchos, também estudantes de direito da benemérita casa de andré da rocha. O Cássio, então, é a pessoa que se atrasou mais de hora pro churrasco na casa do Raf, ainda em Paris: prenúncio do inevitável - Cássio está sempre atrasado, o que não o leva jamais a apressar o passo ou o faz desistir de parar para ler algum cartaz de cunho político na rua. Mas se eu começo reclamando, é porque ainda sou a mesma Leti. Verdade seja dita, o Cássio é sensacional. É inteligente e culto e tem histórias incríveis de vôs e bisavôs mundo afora. Companhia engraçadíssima e cativante, quem me apresentou o show do Júpiter Maçã, que rende gargalhadas impróprias no meio da aula, quando um escreve no caderno do outro (sobre a professora) "ela também está tentando se livrar do ego, para ela vamos tocar então "an ego").

Os três querem se ver livres do ego.
E a Fran. A Fran é o tipo de pessoa, como eu expliquei pra ela, "bonita demais pra ser legal". Mas isso foi logo quando a conheci. Hoje, eu sei que ela é aquele tipo de pessoa que te faz desacreditar qualquer justiça divina: não basta que ela seja linda, ela é divertidérrima, inteligentérrima, tem uma habilidade com idiomas impressionante, tá sempre de bom humor e é o tipo de pessoa de quem todo mundo gosta: é super atenciosa e animada, e tudo isso comendo iogurte natural, correndo e se vestindo bem. Ah, além de conhecer Rennes de baixo pra cima e estar sempre a fim de ir pros breus do Marrocos, pro Leste Europeu, pro cinema: companhia maravilhosa. 

Ontem fizemos nossa primeira sopa "de verdade" juntas. Sopa não de pacotinho, quer dizer. Sério, foi ótimo. Pela manhã, fomos à segunda maior feira de rua da França, que é aqui em Rennes. Compramos couve, brocólis, vagem, morango, uva, pêssego, tomate e almoçamos comida chinesa maravilhosa. Aí, à noite, colocamos todos os ingredientes acima listados que parecem constar em uma sopa em uma panela, e esperamos ver no que dava. Junto, umas cenouras, uns tomilhos, uns temperos cuja tradução desconheço, e enfim: uma sopa maravilhosa, assistindo How I met your mother.

Aliás, deusdocéu, alguém aí me ensina a baixar filmes? Minhas tentativas com Lime Wire foram bem falidas. Acho que escrevi demais por hoje. Detesto essas descrições da minha vida, mas quero recebê-las de vocês, então acho justo, se alguém se interessar por isso. 

Os pássaros estão cantando. Sério, por que no te callas?, como diria o rei da Espanha. 

Um beijo forte, bem forte.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Um fim de semana.


Como soubesses do que sou feita, um pequeno aconchego parte dos teus olhos. Não tento evitar me sentir tão bem, mesmo sabendo que isso de sentir assim tão grande é fraqueza. Os dois já sabem mentir. Chama-se experiência: enrubescer menos, descompassar menos o ritmo cardíaco, manter o olhar firme mesmo quando todo o registro do que se passa já desvaneceu.

Mas insisto meio besta nessa terra do nunca demarcada entre teu sorriso e o domingo que chega. Teu corpo e o meu, quilômetros de uma distância perfeitamente cabível, e mesmo desejada. Há dez anos entre um e outro, uma temporalidade que se apaga para desimportar-se. Brincas com as estátuas do Orsay, procurando a que te lembre mais de mim - brincadeira injusta. Paris inteira me lembra de ti.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Retrospectiva, ou a decadência, dos meus últimos 30 dias.


Paris: uma cidade de todos.
Colabore já!
Como hoje, dia 15, faz exatamente um mês que deixei o Brasil, nada melhor que uma boa retrospectiva.

Então, há exatamente uns 30 dias, eu estava fechando as malas (por que tão grandes?) em uma casa adoravelmente mobiliada, tendo, aliás, uma loja de móveis planejados (http://www.inusitta.com.br/) para quaisquer imprevistos.

Coloco aí o site para a contraposição ficar ainda mais clara, mas dada a situação atual do meu cartão de crédito (vocês verão), aproveito para lançar a campanha humanitária "Viagem Zero", que consiste basicamente em vocês renovarem suas casas com móveis dignos (ao contrário de moi) e, com isso, ajudar altruisticamente o meu intercâmbio e, principalmente, as minhas idas a Paris, que hoje se vêem ameaçadas pelo meu mínguo extrato bancário.

Pois bem, há 20 dias, eu estava em Paris, chiquérrima comendo pratos congelados de mercado, mas ainda assim, em Paris. Feliz e despreocupada, sem saber das agruras que a vida planejara para moi.

Um trem, duas horas e algumas semanas depois, chegamos ao estado atual das coisas.

AVISO: Se você é cardíaco ou sensível demais, não leia as próximas linhas.

Então que, voltando da Sciences Po, anteontem, Eu, Cássio e Francine nos deparamos, no chão, ao relento da calçada, com duas gavetas velhas e uma mesa com dois pés quebrados.

O que fizemos então?

a) olhamos com desgosto e continuamos;
b) Cássio chutou-as para ver se quebrava;
c) Francine sentiu-se grata pelas lindas mesas da residência universitária Patton;
d) Letícia, como de habitude, tropeçou e hoje vos escreve com os joelhos sangrando;
e) em meio a pulos de alegria, levamos as gavetas e a mesa quebrada para casa, pensando que finalmente teríamos onde comer.

(...)

a) olhamos com desgosto e continuamos; (X)
b) Cássio chutou-as para ver se quebrava; (X)
c) Francine sentiu-se grata pelas lindas mesas da residência universitária Patton; (X)
d) Letícia, como de habitude, tropeçou e hoje vos escreve com os joelhos sangrando; (X)
e) em meio a pulos de alegria, levamos as gavetas e a mesa quebrada para casa, pensando que finalmente teríamos onde comer. (V)


Assim, 30 dias depois de sair de casa, a eterna narrativa latina do jovem na Europa confirmou-se: somos quase papeleiros. Mas, vejam bem, papeleiros com estilo. Apresento-vos, meus caros, em primeira (tá, de segunda) mão, a nossa adorável mesa:


IKEA não faz melhor.
 Notem o design, a gaveta embaixo de maneira a maximizar o espaço, unindo o belo ao utilitário, super tendência.
 Do Lixo ao Puroloosho na Europa


Quem precisa de móveis planejados quando se tem lixo europeu nas ruas?


Francine já tem onde colocar as panelas:
a mesa salvadora.
Pois bem, estávamos felizes e dispostos a comemorar nossa aquisição sustentável, de olho nos padrões de exigência ambiental, sem sequer um prego desperdiçado, e então decidimos ir para Paris.



Como a escritora maravilhosa que sou, os mais atentos perceberão que agora interligo esse parágrafo ao terceiro, retomando a Campanha Humanitária Viagem Zero. Pois que fui pagar minha viagem e, claro, cartão de crédito recusado.



É isso mesmo. 30 dias depois de sair de casa, mobilio o quarto com lixo e estou com cartão de crédito recusado. Mais uma vez, perpetua-se a maldição latina sobre os que tentam sair do berço esplêndido.


Em meio aos Grandes Aprendizados que essa vida, agora dificílima, como vos relatei, em seus tortuosos 9m², trouxe-me nesses últimos e rigorosos dias de escassez (meus quilos a mais regados a Lindt, Kit Kat e risoto de pêra que o digam), não pode ficar de fora outra revelação que mudou definitivamente a minha vida: cozinhar não é impossível, só chato.

Despedindo-me, deixo-vos ainda um sábio conselho talhado pelas experiências drásticas deste último mês: façam isso também. É a melhor coisa do mundo.



E participem da Campanha Humanitária Viagem Zero, óbvio.



(ok, se a vida está fácil, o que dificulta mesmo é a saudade. Ela é grande e está engordando, que nem eu (o problema é que para acabar com ela não bastam corridas e melão docinho)).



Beijos luxuosos.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

reticências antes de dormir.

the hopelessness of it all

Qualquer lugar no mundo ainda é um lugar no mundo. Difícil lidar com isso. Que em qualquer que seja o lugar, haverá gente e lojas e bares, e vão mudar o horário comercial, o jeito de chamar o gato e o idioma. Mais nada.

Tenho um chamativo para pessoas que me decepcionem sem aviso prévio. Sem horário na agenda, fuzilam mais uma vez o que eu nem sei mais se tenho. E resto contra o muro que eu mesma construí. Não, eu não quero este muro. Preferiria um balanço. Mas se decido pelo contrário, mais uns dias de jazer se aconchegam em meu sorriso. E não tenho mais reinícios nas pálpebras.

Gastei-os todos da última vez. Que por isso mesmo devia ter sido a última vez. Meu sangue enterrado ao lado da desmemória de sua voz. Apagão de mim mesma. E depois um jeito gasto de acreditar de novo. 

Como poderia desconfiar do que me atrai? O homem sempre foi vencido pela mística dos abismos. A superfície não me interessa. Se não passar do chão, é espesso demais para estar vivo. A água penetra onde ainda não existimos. 

Mas acabo onde já estive. Dentro de mim mesma, e sem turismo algum. Percorro sozinha algumas ideias, alguns remorsos, alguns planos. Como é melhor quando mais alguém faz parte disso tudo. Meus fantasmas também temem meu escuro. Anoiteço às vésperas de uma boa notícia, que com a demora do que não acontece, nunca chegará. Mas se eu parar de esperar, o que de humano permanecerá em mim?

E se eu esperar até que a realidade por fim me atinja, quanto de mim ainda será humano?

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

bem bebs que vergs.

E aí conhecer alguém que tem os mesmos gostos que tu, cantar loucamente na Fnac, ir pra Brest ouvindo o CD 1 dos beatles, pra ficar na casa de um cara que tu conheceu na mesma semana e ser bem recepcionada por toda a família dele, comprar vela e chá e entender que um lar cabe em nove metros, festejar a compra esperada de um travesseiro, encontrar um cookie delicioso, comentar filmes estrangeiros, elogiar o Pompidou com todo mundo, conhecer ao menos um cantor diferente de cada país, ter orgulho demais da música brasileira, comprar o novo livro do houellebecq, pegar ônibus e sempre se perguntar "pago ou não?". Vinho barato, cerveja boa, vida incrível. 

E não é que dá mesmo pra começar de novo? 

E de novo de novo?

Acho que gosto bastante daqui. 

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Au quotidien.

Nunca me senti tão próxima do Chico. Somos eu e ele, todos os dias. Espero impaciente que seja noite no Brasil. Ela não aparece. No meu país é sempre manhã. São cinco horas de diferença, vinte e um ano de semelhanças. Não quero fazer soar tal exílio meu intercâmbio seis vezes sonhado. Algumas distâncias não precisam de quilômetros para se firmarem. 

Só que me reverberam por inteiro as vozes que eu não ouço, as conversas que não estou tendo no bar da cidade baixa onde não estou indo. Explico que Porto Alegre é a cidade do Fórum Social Mundial, o Fórum feito em contraposição ao de Davos. Um outro mundo é possível. Mas me sinto plástico. Me sinto rasa. Porto Alegre, para mim, não tem nada a ver com o Fórum. Ou ao menos não tanto como ela tem a ver com o Bom Fim e eu e o Igor indo ao Zaffari decidir o que cozinhar, ou estar no Felipe sendo convencida a ir pra buatchy, ou fazendo negrinho péssimo e ligando pro Gauti chegar logo, pelamordedeus.

Porto Alegre é uma casa no alto do Cristal, é ligar pra Tephy pra gente decidir juntas só ir amanhã na academia. É ir no bar das lébskas pra continuar nosso seriado, é gif de relacionamentos abertos, é o Planalto lá na distante Zona Norte, na mesma rua que a Stock, e ir junto com ela uma vez por semana pra UFRGS, mais por afeto que por praticidade. 

Porto Alegre é comprar colchão com o Guilherme, fazer festa junina com a Cassi, a Clá, a Carol, a Nanda, o Bruno e sempre sentir falta da Aline. É a Cultura cheia de livros lindos que não posso comprar, é ir ao cinema na sessão louca das mães, é encontrar tudo que não estou procurando no centro lotado, pra depois entrar no café do Mário Quintana, no café do Margs, no Café do Cofre - não achei nenhum café melhor em Paris, garanto. 

É ir em sebos com a Jubão, em palestras de arquitetos que curtem uma graninha, é meu pai sempre querendo que ela estagie com ele. Porto Alegre é chegar em casa à noite e sentir o cheiro bom (falta maluca!) da comida feita em casa do pai, é ouvir a mãe falar sobre tudo e sobre nada e procurar meus gatos, é reclamar que a Gabi tá assistindo Smalville DE NOVO na sala, porra, como é que pode? (E depois assistir junto e ficar perguntando incessantemente sobre tudo).

É a vó juntando dinheiro pra vim me visitar, lindérrima e gauchista, rindo de quando o vô, gaúcho típico, atirou pela janela o quadro dela do Che, "quadro de homem em casa, só o meu". A vó reclamando e atiçando meu feminismo - "que merda, Lê, eu também queria fazer ter feito isso, mas na minha época eu era um grande hímen - que coisa mais estúpida!" A mesma vó que me disse, com algumas lágrimas mal-disfarçadas, "Lê, tu tem que transar com todo mundo em Paris! Tu só é jovem uma vez!" e eu embaraçada na frente da família, clima super casar virgem e bons costumes.

Agora sou só eu na frente do meu embaraço. Embaraço sem plateia - e que desconhecidos não são plateia cativa, não vale a pena. Então converso com o Chico, com o Ney, com a Nara, com Caetano. E estou longe de casa ainda, mas tenho um pouco de música. Tenho muito de vocês.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

A Bretanha!

à ceux que l´eternité seule unit.
Tristão & Isolda

oi

resquicios célticos e gauleses

pós-moderna

por aí

Rennes centreville

O bretão!

Sexy