terça-feira, 5 de outubro de 2010

França: primeiras desimpressões.

 (Tentativa frustrada de fazer um texto pro Pare o Trem - tento novamente adiante, sem tocar na questão velhérrima da burqa, o que me é difícil).

Dia desses, vi um punk-anárco-mendigo, desses que só se produz na França, vestindo uma camiseta com os dizeres “liberté, égalité e fraternité”.  A palavra “fraternité”, no entanto, estava riscada e, por cima, escrito “mon cul”. Até aí, tudo bem. Ninguém vem pra França para receber uma acolhida calorosa desde...  Não, nunca aconteceu.

Problema é que hoje as outras duas palavras poderiam muito bem estar riscadas.

I. Liberdade, mon cul.

A liberdade francesa está condicionada à liberdade de ser francês. Ser francês é andar de rosto descoberto, é ter moradia fixa, conta bancária e fazer piqueniques aos domingos. Muçulmanos são livres para deixar o Islã e apregoar as maravilhas do Estado laico e da democracia. Aliás, para algumas religiões, o Estado francês é mais laico que para outras. Duas mil mulheres, mais ou menos, vestem a burka na França, um país de mais ou menos 65 milhões e meio de habitantes. Facílimo encontrar os números. No entanto, não há estimativas de quantas freiras na França ainda utilizam o hábito – veste, como a burka, no mínimo perturbadora para algumas feministas de plantão. Se passam dos dois mil, nem eu nem a wikipédia sabemos, mas deve ser um número  tão inexpressivo quanto, nem ao menos calculado. Logo, as mulheres francesas são livres para se submeterem, por meio do vestuário, ao deus cristão. Porém, se o fizerem com Alá, terão de pagar multas. Ou seja, de um lado, a mulher muçulmana francesa é subjugada pelo seu deus, que vai puni-la se ela não se vestir de uma certa maneira. Do outro, ela vai ser punida pelo seu Estado francês  democrático se se vestir de determinada maneira. Extremismo? Abordagens diferentes? Onde?

Claro que o fato de poucas mulheres usarem a burka não é um argumento convincente para a sua liberação. Poucas pessoas, quando se fala em França, matam as outras e, ainda assim, matar é proibido (e, senão por um abolicionista penal ou outro, as coisas estão bem assim por aqui). Questão é que proibir uma vestimenta utilizada por aproximadamente 0,003% da população francesa ontem e expulsar os Roma hoje abre precedentes xenofóbicos indeléveis. A liberdade torna-se bode expiatório, fundamenta o que no fundo é vestígio das Cruzadas. Em nome da liberdade, francesa e para os franceses, caberá proibir e deportar o que dissona. Nós, todos aqueles que não precisam ser tão livres assim no Império de Bruni.

II. Igualdade, mon cul.

Falando em expulsar os Roma, vamos para a cultura prêt-à-porter: os Roma são a maior população (aproximadamente 10 milhões) européia sem um país. São comumente os ciganos: lembra que, quando criança, se você saísse sozinho de casa um cigano ia lhe seqüestrar e você jamais veria seus pais de novo? Pois é. Ciganos roubam você de seus pais, ciganos não vão para escola e ciganos se vestem mal. Ninguém os quer por perto. Sarko deu jeito nisso: au revoir, bisou. Aliás, vocês se lembram da última vez em que uma certa população que vivia na Europa não tinha um país para si e começou a ter direitos civis suprimidos? A história não acabou bem. Como foi declarado por aqui “a última vez que a França deportou gente, foi quando ela mandou 75.000 judeus para a morte”.
Houve, por certo, protestos: estamos falando da França. Mas a população está alvoroçada demais com as mudanças no plano de aposentadoria para se preocupar com gente que nem trabalhar, trabalha. E a França ainda é uma dona-de-casa: cozinha mais que trabalha. Bancos segunda-feira? Nem pensar. Lojas 24h? Só se o imigrante argeliano estiver a fim. 

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