sexta-feira, 1 de outubro de 2010

O sistema de ensino francês.

Sim, pretensiosa como sou, estudando numa Grande École, acho que estou capacitada para falar do ensino francês como um todo. 

Ok, meus dias (MESES) traduzindo um artigo sobre metodologia me impedem de continuar essa farsa:

O sistema de ensino da Sciences Po Rennes para intercambistas, novo título.

Então que tenho a minha tese brilhante e inovadora de que se alguém é tratado como retardado mental, há grandes chances de que responda a isso agindo realmente como um retardado mental. Posso dizer que isso é um pouco de Erving Goffman aplicado à minha vidinha. Pois então que aqui somos um pouco tratados como retardados mentais.

Em primeiro lugar, para estrangeiros, a Sciences Po não é um lugar, pasmem, para estudar ciência política mas, preponderantemente, foca-se na Adoração Inconteste da França e Suas Cinco Repúblicas. Assim, nossas cadeiras obrigatórias são:

História e Civilização Francesa, Conferência de Método e Curso de Francês.

Claro que essas três cadeiras são colocadas NOS MESMOS HORÁRIOS das melhores cadeiras disponíveis, como História da China e umas outras geniais que o trauma de não poder fazê-las porque preciso IDOLATRAR a França me fez esquecer o nome. 

A professora de História e Civilização Francesa é a responsável por pérolas ao estilo de "La France était fasciste? Oui, mais pas trop." e "La Terreur était nécessaire? On ne sait pas."

Ela conseguiu a proeza inimaginável de fazer tanto a Revolução Francesa como a Revolução de 1848 parecer algo monótono e inacabável. E ainda segredou: "vocês vão saber mais sobre a história da França que os próprios franceses." Sim, querida, quando eu atravesso um continente para estudar Ciência Política, é exatamente isso que eu almejo, valeuaê.

A Conferência de Método consiste em fazer uma apresentação de 20 minutos sobre um tema proposto (no meu caso, o quadro "desmoiselles d´Avignon", do Picasso, embora todos os outros sejam mais específicos sobre, tcha-rããn, o Império de Carla Bruni). Tudo bem até, não fosse o fato de que em todas as aulas em que tu não estiver apresentando, terás de ficar sentado ouvindo os coleguinhas com seus franceses terríveis falando sobre coisas que não te interessam, e ainda assim, que tu estudou até a morte para a aula de Hist. e Civ. Francesa I. (Sim, porque semestre que vem tem a II).

O Curso de Francês, por sorte, tem uma professora, ao menos para a minha turma, maravilhosa. Mas graças aos horários ótimos, por causa dele vou ter que pegar ônibus e metrô mil vezes por semana para estudar árabe em outra universidade, porque o árabe da Sciences Po é no mesmo horário da aula de francês. 

Para entender: pegar um ônibus E um metrô, estando em Rennes, significa um deslocamento ABSURDO, que deve levar mais ou menos 20 minutos (?!), o equivalente a ir da minha casa (Zona Norte nortérrima) visitar o Gauti (Zona Sul) em petit poa. 

Então que detesto as aulas obrigatórias. Ma-as, não para aí. Os estudantes intercambistas SÃO OS ÚNICOS que precisam assinar chamada. Três faltas = um ponto a menos na média final. Para mim, para quem ir à aula não é senão uma sugestão, um roteiro de estudos, isso é o caos. Por enquanto, tudo bem, mas logo vou surtar e gritar que estou sendo discriminada. 

Claro que eu quero ir à aula, nunca deixei de ir em aulas que prestassem, até pela sua raridade. Mas esse tipo de coerção já grita: AULARUIMAULARUIM, me lembra das aulas do Odone. E do Saldanha. E do Alfredo. Enfim, sempre que tive aula com presença MANDATÓRIAOBRIGATÓRIAVEMVEM, nunca foi coisa muito boa. E sempre que tive uma aula boa, par contre, nunca faltei. LOGO, causa-consequência simples: aulas boas dispensam métodos coercitivos loucos; aulas ruins demandam-nos aos borbotões. É o que acontece aqui.

Mas há coisas boas, como há de ser. A aula de gender studies é genial: bem-estruturada, professores inteligentes e articulados e uma sala cheia. Lembrei muito das minhas aulas sobre modos de subjetivação de gênero em petit poa, que eram maravilhosas, realmente ótimas, mas que contavam com poucos alunos. Fiquei orgulhosa mesmo de ver toda aquela gente, uns 80, num chute que pode ou não ser preciso, atentos.

Ainda, o professor de macroeconomia, visivelmente pelo bem-estar social, é arguto, é ácido e engraçado e dá aulas muito boas, ponto para ele. Em Introdução à Ciência Política, estou tendo a aula que eu deveria ter tido no meu primeiro ano de direito: estudo do poder, de como é interessante a frase "ele tem poder" - o poder passível de posse; ou seja, materializado, até que se chegue à burocracia e, dela, aos excessos kafkianos que levaram aos sistemas totalitários e tudo mais. Ótimo.

Três aulas boas, uma aula ruim e duas meia-boca. Isto é, as ruins estavam em desvantagem. Pensando nisso, vou fazer DIP aqui, com uma professora que é competente, para ser honesta e simpática, e parece saber muito (começou a aula falando sobre tratados feitos entre o pessoalzim da Mesopotâmia, por exemplo), mas parece que ela está sendo forçada a dar a aula, que detesta aquilo. Tom monocórdio e uma didática que não deixa as coisas muito claras. Mas enfim, vou ir e assinar a chamada.

E aí que tem o árabe, no qual preciso me matricular. São 4h por semana, e adoro aprender uma língua em outra língua, além de que é difícil estudar árabe em petit poa. Tenho bons pressentimentos. (Quero barganhar em árabe no Marrocos no fim do mês).

Bem, já enchi o saco de vocês, e em mais duas semanas de aulas, já terei enchido bastante o meu. Mas daí vou pra Londres. E pro Magreb.

Dormir uma noite ao ar livre no SAARA, quem curte?
Mas disso eu falo outra hora.

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