terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Rennes.

Eu e Rennes temos uma relação complicada. Rennes é absurdamente linda. Suas ruas são elegantes, pedaços que testemunham uma França católica que não existe mais. Suas casas de pedra são pequenas fortalezas, e há ainda um muro romano às ruínas por aqui. O mercado aos sábados, em pleno céu aberto, é lindo, vivo, colorido, e dá pra comprar as melhores azeitonas e os melhores iogurtes do mundo. 

Mas Rennes não é Paris, e aí a coisa complica. Porque ser Paris significa ser a cidade mais absolutamente fantástica do mundo. Ser Paris significa ter sentenciado o absolutismo à morte, ser Paris significa abrigar Picasso no Bateau-Lavoir, ser Paris significa que cada Presidente te lega um complexo cultural absurdo, do Louvre ao Pompidou. 

Ser Paris significa ter a République viva, o Point Ephémère às margens do Canal St. Martin pra tomar uma ceva tentando adivinhar a que se refere o poema na parede. Ser Paris significa arte. Arte dentro dos museus, arte nas ruas, arte em cada Space Invader, e são tantos. Ser Paris significa o apartamento acolhedor da Mô e do Marcelo, sempre sorridentes e queridos emprestando toalhas e ligando a calefação. Ser Paris significa também a casa linda do meu casim parisiense, cheia de obras e máscaras indianas e quadros e mais quadros e livros e a cama mais confortável do universo e as saladas absurdamente deliciosas que ele faz e o jeito como ele pula da cama pra espremer suco de laranja porque eu tô doente. 

Ser Paris significa ser elegante, ter os mendigos mais autênticos ever, significa linhas de metrô de fácil compreensão. Ser Paris significa ser dividida ao meio pela Sena e unida aos pontos por tanta gente tão completamente diferente. Ser Paris é a Alyson nos recebendo pro Natal, com o Charles en train de chercher bonheur pra todo mundo, trazendo o vinho aberto. É a árvore de Natal com cheiro de pinho decorada por uma família judia para que os brasileiros não ficassem abandonados sem família no Natal. Ser Paris é ser tanta coisa por tantos lados. É conhecer cada arrondissement, e ficar procurando um quarto para alugar com o Monsieur Hervé. 

Ser Paris é ser o centro cultural do mundo. Falem o que quiser, Nova Iorque jamais vai desbancar o charme e a imponência parisiense. Ser Paris é achar enfadonho o borbotão de turistas na Champs durante o Natal, é terminar as refeições no queijo e ir de vez em quando no McDo, mas sempre falar mal depois.

Ser Paris é recomeçar todos os dias uma história de tantos séculos e tantas Repúblicas e tantos discursos de Jaurès e lutas de Jules Ferry pela laicização. Ser Paris é ter uma pista de patinação linda à frente do Hotel de Ville. E tanta neve e tanto frio até que lacrimejem os olhos. Porque é certo, em algum momento, Paris te fará chorar. Se não de frio, de emoção.

E mesmo quando eu tento falar de Rennes, acabo em Paris. 

Quando eu tento gostar de Rennes, é sempre tarde demais: sou irremediavelmente apaixonada por Paris.

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