sábado, 28 de agosto de 2010

Adieu, Paris.



Encontro teu rosto. Mesmo depois do existencialismo, ainda é em Paris que me sinto bem. Tu faz um ruído bonitinho e me aproximo, entrelaçada nas tuas histórias. Sorrio. Tu sempre quer saber por que sorrio. É por tua causa, mas não me atrevo à honestidade. É cedo. Ou tarde, sempre a perspectiva. Levanto num salto.

Tento me vestir sem sequer te olhar de longe, mas é incontrolável. Como dançasse pela cama, teu corpo em sinfonia, tão perto. Tão perto a distância. Mas agora e ainda tão próximo. Então abraço. Tu me puxa para junto de ti. Viro o rosto. Não vai me ver chorar.

La Tour Eiffel - Robert Delaunay
São apenas duas lágrimas. Duas pessoas que se desencontram novamente: nada mais banal. Mas, entenda, deixar Paris é uma das batalhas mais difíceis que há. Deixar uma Paris que te leva no colo torna a tarefa impossível. “Ill see you soon”, tu me diz, e na minha língua colada mil vezes a pergunta “you promise?”, mas não lhe deixo escapar. Tu ainda não me sabe assim frágil. Assim encantada com teu pescoço. “That´s good”. (Queria ter tido uma resposta mais espirituosa, mas só não chorar tomou tudo de mim).

Sempre chove quando a gente se despede, mas não vou te falar disso. (Talvez um pouco de medo de não o teres percebido – por quantas metáforas ainda passaremos?). “Please, don´t explode in Lebanon.” Tu sorri e me deseja uma boa semana de freshman. Sorrimos. “Ill see you soon.” Por favor, prometa. Por favor, me prometa vir, ainda que eu não peça. (E eu jamais pediria). Mas isso não é motivo para que não o faça. Ainda que tu não vá. Até melhor, a promessa durará mais se não for cumprida. E com ela a tua espera.

“Saying goodbye to you at the metrô – I remember that”, te digo. Tu me beija e sentencia “yes, we´re travelers.” E por fim sei que também sabe. Que no fundo é tão amaldiçoado quanto eu, colecionador de despedidas. Movimentando-se para não se perceber vazio, sentindo tontura para sentir alguma coisa; ser chama e inalcançável pelo tempo. Viver não aceita disfarces. A busca reiterada e impossível por algo que te faça jamais sair de lugar algum – e viajar é o único modo de encontrá-lo. (Ainda que o perceba inexistente). Não posso te oferecer raízes. Somos apenas folhas. E é sempre vento na Bretanha.

Foi na estação de trem que senti teu cheiro na minha roupa. Como de propósito, um punhal nos meus sentidos. Teu cheiro invadindo minhas saudades. E então me lembrei da tua voz, teu rosto inclinado junto ao meu, cantando Gonzaguinha, “é a vida, é bonita, é bonita e é bonita”. Um leve sotaque parisiense temperando a música. Brasil e França em desalinho nos teus lábios. Cantarolo junto, minha mão enroscada na tua. Tu acende um cigarro enquanto exploro cada parte dos teus dedos. Mais uma vez, pegamos o metrô. Sentamos ladoalado, assim mesmo, sem espaços possíveis entre as coxas. Segura meu rosto e abreviamos nossa conversa. Eu e minhas alegrias em uníssono na tua boca.

Tu me ensinou a fazer café, sem supor o quão chato seria tomá-lo longe de ti, a ponto de eu não fazê-lo. Riu da minha angústia frente às inépcias todas (e tantas) minhas. Tem outras tantas coisas em que eu sou boa, mas dessas não quis te falar. Preciso estar segura, quando não vieres, de que havia motivos para que não o fizesse. Ainda assim, guardo tua letra atrás de uma receita de crepes. É o mais perto que cheguei de te fotografar. Como poderia tirar uma foto contigo? Tu é vivo demais. Tu é contingente demais para posar estático ao meu lado pelo tempo infinito das imagens. Não seria possível. Mas já agora, logo mais no trem, a duas horas de Rennes, me arrependo. Teu rosto será total dependente da minha memória.
Eu também.

 Fecho os olhos enquanto o trem parte e tu chega novamente de Londres. Uma reprodução de Degas na mão para me dar. A mulher se secando após o banho, como tu me viu fazer por dez dias de vezes. Tornando teus braços toalhas, meu corpo brinquedo. Meus olhos como crianças no balanço, as pernas embalando o vento. As mesmas pernas que agora tremem, que agora caminham para longe, ainda que o coração, mas o coração é inamovível. Deixo-o ficar onde deseja, ainda que eu parta e, nisso, seja partida.

Eu, viajante pelo teu corpo, andarilha da tua casa. Tu, flâneur das minhas manhãs. Tento não pensar que talvez, se eu ficasse em Paris, mas não. Não vou ficar em Paris. Ela já está a uma hora de distância, e tu está a caminho do Líbano agora. Me dói por inteiro. Mas não faz mal.

Ill see you soon.

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