domingo, 26 de setembro de 2010

MINHA VIDA: o essencial.

Aqui o corpo resseca. O tempo inteiro. Lábios rachados, mãos secas. Comme d´habitude. Rennes é uma cidade pequena. Uma cidade é pequena quando cabe na palma da mão: Rennes tem basicamente só três linhas também: aquela mais à esquerda, que leva para o IEP. A central, que leva para o centro, e a que surge mais à direita, que leva à FNAC. 

Dissimulando que paguei o ônibus fazendo corações com a palma das mãos.
Na ponta dos dedos, a passagem de ônibus. Dilema ético: pagar ou não pagar o ônibus? Minha ética é sazonal. No início do mês, pagar o ônibus é razoável. Agora, já no finalzinho, pagar o ônibus é abuso. Cássio e eu nos olhamos e decidimos: vamos de cu na mão. Cu na mão porque os fiscais podem entrar (e entram) a qualquer hora, e aí é multa de 20 e poucos euros. A menos que vocês, latinos pobres, já tenham desenvolvido uma tática mais incrementada, como nós fizemos: a ideia é que você compre a passagem e valide-a. Aí, atrás dela, é marcado o horário em que ela foi validada (a passagem é válida por uma hora - dentro dessa hora, você pode pegar quantos ônibus ou metrôs quiser com ela). Claro que só pode ter validações feitas dentro daquela hora, senão o bilhete perde a validade. Mas então, nós sempre validamos o mesmo bilhete, que já está escurecendo atrás, para que o motorista ouça o barulhinho que a máquina faz e pense que pagamos, e aí ficamos segurando um bilhete novinho na mão, sempre próximos da máquina de validação. Se o fiscal entrar, esperemos que dê tempo de validar o bilhete novinho e nada acontece. Veremos até onde isso vai.

O que mais falar de Rennes? No geral, as pessoas são bem gentis, e quando ouvem que somos brasileiros, umas ensaiam um "bom-dia", outras falam da Copa do Mundo, algumas só assentem.

Os franceses estudantes, no geral, ainda são franceses. Então assim, tem a organização responsável pelos estudantes estrangeiros, composta basicamente por garotas, que são queridérrimas e disponíveis e estão sempre marcando eventos e tal. Depois tem o resto dos franceses, que acham, por sua vez, que nós somos o resto, e nada de muita integração nesse terreno por enquanto.

Salvo, é claro, na residência universitária Patton, Battiment B, onde estou. Aliás, para quem quiser (e espero fundo que queiram!) mandar cartas, postais, fotos, carne de verdade e assemelhados para mim, peguem o endereço:

12, Rue du Houx, chambre 368,
Battiment B
Cité U. Patton
35000

A residência merece um post só pra ela, com as faxineiras que lavam o banheiro sempre na hora em que vou tomar banho, e lá vou eu passear só de toalha pelas escadas, super brasileira. Aí que tem os pássaros. São pássaros lindos: brancos, pretos e azuis. Pássaros gremistas, segundo o Cássio (que deve estar logo chegando com novidades de Bordeaux, onde foi ver o show do Interpol). Mas aí que os bichos começam a gritar, a se estrangular em gorjeios brutais de corvo, voz residual de rouxinois acamados, pássaros do inferno, para ser bem exata.

Mas são bonitos, os pássaros. Deixemo-os para lá. Meu quarto fica no terceiro andar, que na verdade é o quarto. Sim, muitas escadas. Mas uma vista privilegiada do céu (da qual faço uso) e um vento miraculoso, daqueles ventos que amortecem saudades, que trazem vozes e risos subtropicais, que eu tanto preciso e amo.

Só que daí a gente entra no tópico "pessoas longe", e esse tópico me dói. Na maior parte do tempo, lembrar de vocês me faz sorrir, e então tudo bem. Uma ou duas vezes, no entanto, nos dias em que eu (ainda!) pego o celular pra ligar pra alguém pra tomar uma cerveja, e lembro que esse alguém tá distante, bebendo aquela vergonha que a gente finge que é cerveja brasileira, e aí dói até lacrimejar os olhos, lacrimejar o tempo e o espaço. Mas tudo passa. Tudo sempre passa. O futuro e o passado passam. Um mais rápido que o outro.

E entrando em pessoas, duas merecem destaque especial: o Cássio e a Fran. Os dois outros brasileiros, também gaúchos, também estudantes de direito da benemérita casa de andré da rocha. O Cássio, então, é a pessoa que se atrasou mais de hora pro churrasco na casa do Raf, ainda em Paris: prenúncio do inevitável - Cássio está sempre atrasado, o que não o leva jamais a apressar o passo ou o faz desistir de parar para ler algum cartaz de cunho político na rua. Mas se eu começo reclamando, é porque ainda sou a mesma Leti. Verdade seja dita, o Cássio é sensacional. É inteligente e culto e tem histórias incríveis de vôs e bisavôs mundo afora. Companhia engraçadíssima e cativante, quem me apresentou o show do Júpiter Maçã, que rende gargalhadas impróprias no meio da aula, quando um escreve no caderno do outro (sobre a professora) "ela também está tentando se livrar do ego, para ela vamos tocar então "an ego").

Os três querem se ver livres do ego.
E a Fran. A Fran é o tipo de pessoa, como eu expliquei pra ela, "bonita demais pra ser legal". Mas isso foi logo quando a conheci. Hoje, eu sei que ela é aquele tipo de pessoa que te faz desacreditar qualquer justiça divina: não basta que ela seja linda, ela é divertidérrima, inteligentérrima, tem uma habilidade com idiomas impressionante, tá sempre de bom humor e é o tipo de pessoa de quem todo mundo gosta: é super atenciosa e animada, e tudo isso comendo iogurte natural, correndo e se vestindo bem. Ah, além de conhecer Rennes de baixo pra cima e estar sempre a fim de ir pros breus do Marrocos, pro Leste Europeu, pro cinema: companhia maravilhosa. 

Ontem fizemos nossa primeira sopa "de verdade" juntas. Sopa não de pacotinho, quer dizer. Sério, foi ótimo. Pela manhã, fomos à segunda maior feira de rua da França, que é aqui em Rennes. Compramos couve, brocólis, vagem, morango, uva, pêssego, tomate e almoçamos comida chinesa maravilhosa. Aí, à noite, colocamos todos os ingredientes acima listados que parecem constar em uma sopa em uma panela, e esperamos ver no que dava. Junto, umas cenouras, uns tomilhos, uns temperos cuja tradução desconheço, e enfim: uma sopa maravilhosa, assistindo How I met your mother.

Aliás, deusdocéu, alguém aí me ensina a baixar filmes? Minhas tentativas com Lime Wire foram bem falidas. Acho que escrevi demais por hoje. Detesto essas descrições da minha vida, mas quero recebê-las de vocês, então acho justo, se alguém se interessar por isso. 

Os pássaros estão cantando. Sério, por que no te callas?, como diria o rei da Espanha. 

Um beijo forte, bem forte.

2 comentários:

  1. Ai como tudo é lindo! Adoro as imagens imaginárias que tu me faz ter com essas palavras bem escolhidas nesses textos grandes de vontades. ^^
    Saudade de te encontrar pelo Campus...

    Beijos!

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  2. Oh, Leti, admito que estou com saudades de te encontrar pelo palacinho, por mais que eu saiba que a França deve ser consideravelmente melhor.
    Quanto aos ônibus, isso me faz entender o porquê de termos roletas e cobradores aqui no Brasil...

    Beijos.

    P.S.: Baixa por torrent. Se tu ainda acessar o tão latino orkut, vou te mandar um depoimento explicando comofaz.

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